Filipe Pereira
2 min readFeb 29, 2024

Um Bill Evans Trio

Um disco de soft jazz a cada dois ou três dias, indicado aqui, seguido de um textinho. Nada de muito profundo. De um lado, pratico a escrita mais suave, da qual não pretendo me afastar; de outro, indico a pura e simples música de alguma qualidade.

Há quem faça melhor isso nas redes, claro. Porém não ligo. Em Internet, a figura do intelectual devorador sempre me pegou muito pouco. Me entedia, me leva a bocejos. Leia menos, escritor — eu pareço dizer. Escreva com maior paciência, com intervalos regulares para sonecas no fim de tarde; ligue um bom disco, acene ao grande deus da parcimônia.

Aos 16, desejei ser escritor de rock. Ou jornalista, termo que julgo meio vulgar. Uma epítome que serve para definir o William Bonner só pode está carregada de vulgaridade. Era madrugada, como sempre, e eu estava em meu quarto fazendo o que sempre fiz. Ouvia alguma música, lia, e alternava tudo isso com caminhadas na sala. Sempre retorno ao lugar comum de como a noite me tranquiliza. E era noite, tarde da noite. Eu sempre seguia um padrão televisivo naquela época. Situo o leitor: era uma época em que a televisão importava. A tv não era como hoje, apenas o fundo de tela de rodoviárias e asilos — a tv significava alguma coisa. Depois do Programa do Jô, eram filmes e filmes. Naquela noite, Almost Famous.

Antes, eu ouvia no meu quarto, um mp3 gravado com uma porção de discos do Bill Evans.

Entre eles, o Moon Beams.

Às vezes me preocupo com quem ouve apenas jazz. Não sei, me parece de um americanismo preocupante. Mas há alguma lição sobre delicadeza que se ganha ouvindo regularmente uns tipos como esse.

Bill Evans ouviu muito o King Cole, de quem herdou, é notável, muito de sua elegância. A elegância deve até ser pesada enquanto elogio, aliás; um homem com delicadeza é somente uma Glória Kalil de botas. Sozinha, ou seja, diz muito pouco; mas sua lacuna cria muitas vezes uma barreira de penetração que afasta para sempre artista e indivíduo, ou uma pessoa comum e outra. Ou o grande público e um humorista, ou o notável articulista de jornal, ou um diretor, ou o poeta que se relê antes de enfim ceder ao sono, ou a mulher para a qual se entregará toda uma vida.

Falo outro dia do filme de rock do Cameron Crowe. Por hoje, ouçam Bill Evans Trio enquanto leem aquele romance no qual latinos fodem com ternura e estupor; no qual nada simplesmente acontece, ou no qual há excelentes gags — até onde é possível haver gags num romance, é claro.

Filipe Pereira
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